Esta é provavelmente a questão mais colocada a quem trabalha com estes animais. Na cultura ocidental as aranhas são vistas como perigosas, venenosas, podendo provocar graves infecções e eventualmente a morte. Como surgiu tal percepção não se sabe, mas é frequente os próprios médicos no nosso país atribuirem diversas infecções e patologias à mordedura de aranha. Na verdade, não existe um único caso comprovado em Portugal.

São conhecidas perto de 800 espécies de aranhas no país (perto de 1000 se incluirmos Açores e Madeira). Destas, apenas duas podem causar algum tipo de condição médica: a viúva-negra Mediterrânica (Latrodectus tredecimguttatus) e a aranha-violino (Loxosceles rufescens). Ambas são relativamente comuns em quase todo o país, sendo a segunda comum inclusivamente em ambiente urbano. O veneno de Latrodectus é neurotóxico, causando uma série de sintomas como rigidez, espasmo muscular dos membros inferiores e abdómen, com dor abdominal, dorsal e torácica, associada a efeitos sistémicos não específicos como diaforese local e regional. O veneno de Loxosceles é citotóxico, o local da mordedura fica esbranquiçado e rodeado de uma zona eritematosa e em casos graves, uma ferida côncava com o centro azul acinzentado desenvolve-se num centro eritematoso rodeado por um anel branco e um outro anel cianosado exterior, evoluindo para necrose tissular e formação de úlcera.

É frequente em Portugal atribuírem-se alguns tipos de lesão necrótica à mordedura de aranhas. No entanto, tal como no resto do mundo, as evidências são quase sempre meramente circunstanciais. Muito provavelmente, alguns casos reportados poderão referir-se a diagnósticos equivocados de condições realmente graves tais como infecções por Streptococcus grupo A ou de Staphylococcus aureus resistente à meticilina.

O diagnóstico correcto de envenenamento por aranha deve passar sempre por uma série de passos:

(1) confirmação ou observação do acto da mordedura, com verificação de sinais clínicos compatíveis com esta;
(2) a aranha deve ser capturada imediatamente ou a seguir ao acto, morta ou viva;
(3) identificação da aranha por um taxonomista.

Até o momento, e que se saiba, nenhum caso de mordedura que tenha evoluído para qualquer tipo de infecção ou patologia foi comprovado em Portugal. Assim, já sabe, quando alguém lhe disser que a causa de uma lesão necrótica é uma aranha pergunte: tem a certeza?

Texto e fotos: Pedro Cardoso

Veja aqui o artigo publicado na Acta Médica Portuguesa