Os abutres são aves necrófagas que desempenham um papel importante na sanidade dos ecossistemas. Ao alimentarem-se de matéria orgânica em decomposição, promovem a degradação, remoção e reciclagem de cadáveres de animais, que, ao permanecerem no campo, potenciariam a proliferação de doenças (transmissão direta a outros animais, contaminação de cursos de água, etc.).
Em Portugal, existem 3 espécies de abutres: o grifo (Gyps fulvus), o britango ou abutre do Egipto (Neophron percnopterus) e o abutre-preto (Aegypius monachus), que se distribuem essencialmente pelo interior do país (Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo). Na toponímia, existem várias referências às “abitureiras”, tradicionalmente associadas à sua presença.
Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, todas estas espécies apresentam estatuto de conservação desfavorável. O grifo, com estatuto “Quase Ameaçado”, é a espécie mais abundante e a sua população encontra-se estável, apesar de reduzida (inferior a 1000 indivíduos maduros). A população de britango, com estatuto “Em Perigo”, é constituída por menos de 100 casais em Portugal e encontra-se em declínio continuado, apesar de outrora ter sido comum e bem distribuído pelo país. O abutre-preto é a maior ave de rapina da fauna portuguesa e apresenta estatuto “Criticamente em Perigo”, pois a sua população é inferior a 10 indivíduos adultos maduros. Após a sua extinção como reprodutor no início dos anos 70, esta espécie voltou a nidificar no país em 2010, no Parque Natural do Tejo Internacional, beneficiando do aumento da população espanhola e de ações de conservação desenvolvidas em Portugal.
Atualmente, os fatores de ameaça para estas espécies estão relacionados com o uso ilegal de iscos envenenados, a perturbação dos locais de cria durante o período reprodutor, a alteração e degradação do habitat, a colisão e eletrocussão com linhas elétricas, a colisão com aerogeradores (em que os grifos são particularmente afetados) e a redução da disponibilidade alimentar, devido à diminuição da pecuária extensiva (que representa grande parte da sua dieta) e ao incremento das exigências sanitárias (como a obrigação de recolher as carcaças do gado, outrora abandonadas no campo).
A conservação dos abutres em Portugal deve ser adaptada à atual realidade humana e depende essencialmente da eliminação dos fatores de mortalidade não natural e da manutenção do habitat de ocorrência, da tranquilidade dos locais de nidificação e da disponibilidade regular de recursos alimentares. Entre outras ações, beneficiaria da aplicação extensiva de medidas agroambientais e da deposição de carcaças em locais licenciados para o efeito, denominados “alimentadores”. Apesar de ser uma ação controversa, o fornecimento artificial de alimento pode ser muito importante em períodos de maior escassez, pois a abundância do alimento natural (veados e javalis) não é suficiente para manter as populações de abutres.
Rita Ferreira
(Técnica especializada em ornitologia)
Segunda, 13 de Agosto de 2012