Capreolus capreolus (Linnaeus, 1758)

Corço

Outros Nomes Comuns: corça

Morfologia de Capreolus capreolus

 © Guarda-Rios do Lima
 © Santos Sequeira

Informação detalhada sobre Capreolus capreolus

Meio:http://naturdata.com/images/stories/icns/terr.jpg
 Continente:Açores:Madeira:
Presença:http://naturdata.com/images/stories/icns/conf.jpghttp://naturdata.com/images/stories/icns/res.jpg  
Origem:http://naturdata.com/images/stories/icns/nat.jpg  
Situação:http://naturdata.com/images/stories/icns/exp.jpg  


Morfologia

Longevidade- Média 8-9 anos, sendo superior nas fêmeas
Armação – Presente apenas nos machos
Tipo de armação – Hastes

Ecologia
Distribuição – Europeia: ocupa a região Paleárctica do continente Euroasiático, com excepção das ilhas do Mediterrâneo e Irlanda.
Habitat - Está presente em quase todos os habitats naturais europeus, incluindo bosques de folhosas, coníferas, florestas mediterrâneas e campos agrícolas.
Guilde Trófica – Herbívoro ruminante
Estatuto de Protecção – Não preocupante
Ameaças – Caça excessiva (a exploração cinegética desta espécie deve ser sustentada e  baseada em Planos Globais de Gestão com uma base científica), furtivismos, atropelamentos
Doenças e Parasitas - febre catarral ou língua azul, Babesia, doença de Lyme, etc
Predadores – Lobo-ibérico, raposas (predação das crias), cães assilvestrados.

Descrição Geral
O corço europeu, o menor dos cervídeos europeus, possui um aspecto gracioso e esbelto. Os seus membros posteriores são mais alargados e elevados que os anteriores, sendo especialmente adaptados ao salto. Da sua morfologia, destaca-se a extremidade negra do focinho, com os lábios e queixo brancos, grandes orelhas e um escudo anal branco que contorna uma cauda curta e rudimentar. O dimorfismo sexual é pouco acentuado e as principais características distintivas são a presença de hastes no macho, durante a maior parte do ano e a forma do escudo anal que, nos machos, se parece a um rim e, nas fêmeas, a um coração invertido. As populações de corços da Península Ibérica, quando comparadas com as do norte e centro da Europa, apresentam diferenças em tamanho e peso, sendo, de uma forma geral, mais pequenas e magras. O corço possui duas épocas de muda de pêlo, variando de castanho-acinzentado no Inverno a castanho-avermelhado no Verão. No Inverno, os pêlos são mais grossos e compridos e, no Verão, são curtos e finos. As crias apresentam uma pelagem diferente da dos adultos, com pêlos mais escuros e com manchas brancas, o que lhes confere um grande mimetismo. As manchas desaparecem no Outono. Este cervídeo caracteriza-se por uma excelente e selectiva capacidade auditiva e uma boa capacidade olfactiva, sendo capaz de detectar o mais ténue movimento físico. A visão, monocromática, é limitada, com melhor capacidade para a detecção de movimentos do que de formas. O corço é um animal crepuscular, sendo mais facilmente avistado durante as primeiras horas do dia e ao anoitecer. É tímido e esquivo, aparecendo e desaparecendo rapidamente entre a vegetação, motivo pelo qual tem sido apelidado de “o duende da floresta”.

Reprodução
Desde o início da Primavera (Março/Abril) até ao fim da época reprodutiva, denota-se nos machos uma forte atitude territorial, em que o seu território é marcado e patrulhado. É no final do Verão, entre Julho e Agosto, que esta espécie inicia o ritual de acasalamento. As fêmeas apresentam uma particularidade fascinante e única entre os cervídeos europeus, a diapausa embrionária ou gestação suspensa. Através deste comportamento, o embrião fica “adormecido” durante cerca de 5 meses, até Janeiro, iniciando-se só nesta altura o “verdadeiro” desenvolvimento embrionário, que se prolongará por mais 4 meses. Desta forma, a gravidez dura 10 meses, contrariamente aos cerca de 7 meses que se verificam nos restantes cervídeos, e as crias nascem no final de Maio, início de Junho. Esta estratégia tem a vantagem de fazer coincidir os nascimentos no início do Verão, quando a disponibilidade de alimento é máxima. As fêmeas parem entre uma a três crias. Vários estudos demonstraram que o número de crias depende do peso da mãe. Outra particularidade interessante é que as fêmeas são sexualmente activas apenas uma vez por ano, tendo um estudo numa população selvagem demonstrado que 98% das fêmeas adultas são fertilizadas nesse curto espaço de tempo. A mortalidade infantil é bastante elevada, e verifica-se principalmente no primeiro ano de vida, variando entre 40-50%. As crias permanecem a maior parte do tempo escondidas na vegetação, imóveis entre as ervas altas, passando despercebidas e são bastante dependentes do leite materno. As mães, por sua vez, aproximam-se periodicamente para lhes dar de mamar e para as limpar, evitando assim que os seus odores possam atrair predadores. Por estarem sozinhas e pelo seu ar inocente, muitas pessoas julgam-nas abandonadas e são tentados a levá-las para casa. Contudo, este comportamento é, quase sempre, letal para a cria. Por isso, sempre que se encontra uma cria sozinha, não se deve tocar ou tentar movê-la, pois a mãe anda por perto e mais tarde irá ter com ela. É possível que a intervenção do macho no desenvolvimento das crias não seja relevante, visto que os grupos familiares sem machos possuem o mesmo sucesso reprodutor daqueles que possuem macho.

Organização social
Tradicionalmente, o corço foi descrito como uma espécie de pequeno-médio porte, própria de zonas de bosque, de comportamento solitário e que vive em pequenos grupos familiares, muito selectivos na sua alimentação. Isto terá levado ao desenvolvimento da territorialidade nos machos e um elevado grau de estabilidade espacial. No entanto, nos últimos anos, ao colonizar novos habitats, desde bosques a montanhas sub-alpinas, até ecossistemas agrícolas mediterrâneos com pequenas manchas florestais, esta espécie demonstrou uma elevada plasticidade na sua estrutura social e espacial em função das características do território que ocupa. O comportamento social do corço passa por diferentes períodos ao longo do ano e varia também com a idade e sexo. As populações de corço estão estruturadas em redor da unidade familiar: a corça, as suas crias e, ocasionalmente, um macho. As fêmeas adultas apresentam grande fidelidade à sua área vital e vão permanecer por vários anos nessa mesma área. As fêmeas jovens dispersam ou formam o seu território a partir do primeiro ano de vida, sobrepondo-o ao da sua mãe. Enquanto que as áreas vitais de várias fêmeas se podem sobrepor, os machos obtêm um território através de confrontos bem sucedidos com outros machos possuidores de territórios. Os machos são extremamente territoriais, marcando e defendendo um território que varia entre 10 e 50ha. O território do macho é normalmente maior do que o das fêmeas e ocupa frequentemente a área vital de várias fêmeas. Durante o Inverno, a acentuada territorialidade diminui, avistando-se grupos em zonas favoráveis de alimentação, normalmente fora dos limites territoriais. Esta estratégia funciona como um mecanismo de sobrevivência invernal, mas é também adoptada para limitar o efeito da predação, uma vez que limita o risco de serem surpreendidos. Em zonas de planície no centro-norte da Europa é comum, no Inverno, o aparecimento de grandes agrupamentos, por vezes com 20 ou mais indivíduos.
Contudo, com o final do Inverno e o início da Primavera, a organização social muda dramaticamente: os grupos de Inverno dissolvem-se e é nesta altura que os machos começam a definir o seu território, roçando a suas hastes em árvores e arbustos e emitindo vocalizações.
Poucas semanas antes das fêmeas darem à luz, os juvenis desse mesmo ano abandonam as suas “casas”, dispersando à procura de novos territórios onde se possam estabelecer. É por isso bastante comum nesta altura encontrar-se animais solitários, sobretudo machos e jovens dispersantes. A época de reprodução tem lugar nos meses quentes de Verão, normalmente entre meados de Julho e meados de Agosto, apesar de haver relatos de cópulas até ao final de Agosto. Iniciado o cortejo, o macho segue a fêmea mantendo a cabeça baixa, tentando cheirar a sua zona genital. Esta perseguição torna-se depois mais frenética até que o macho finalmente copula a fêmea. Com o fim do cio a territorialidade diminui, os machos começam a perder as hastes, tornando-se mais tolerantes uns com os outros, formando grupos.

Ecologia alimentar
    O corço é considerado um herbívoro generalista, sendo capaz de se alimentar de uma grande variedade de plantas, chegando a consumir centenas de espécies diferentes das quais aproveita todos os seus tecidos, desde as raízes até às flores. Contudo, recorre a estratégias de alimentação muito selectivas que lhe permite manter os seus elevados requisitos energéticos e o elevado investimento parental (o corço é um dos poucos cervídeos com mais de uma cria por parto). Esta selectividade deve-se à pequena capacidade relativa do rúmen que faz com que este ruminante consuma porções vegetais pouco fibrosas e ricas em hidratos de carbono, possibilitando a passagem mais rápida dos alimentos pelo tracto digestivo. É espantoso o comportamento alimentar que ele adopta, em particular no Inverno, consumindo plantas com elevado conteúdo em substâncias tóxicas, como os taninos (usados pelas plantas como estratégias anti-herbivoria), e que não lhe são prejudiciais, sendo bastante úteis nalguns processos metabólicos. Esta adaptação evolutiva permitiu a esta espécie desenvolver-se em florestas temperadas, aproveitando salgueiros e loureiros, entre outras plantas. Também fazem parte da sua dieta folhas e rebentos de espécies arbustivas e arbóreas, bagas e outros frutos de plantas lenhosas, herbáceas, flores e, menos comummente, fungos. O tipo de alimentação do corço varia não só com o tipo de habitats mas principalmente com as estações do ano. Durante o Inverno, a disponibilidade de alimento diminui e a sua dieta torna-se menos variada, o que promove o consumo de matéria vegetal mais concentrada como sementes e frutos.
Estudos realizados na Serra da Lousã e no Parque Natural de Montesinho evidenciam a variação sazonal na dieta deste cervídeo. Ao longo de um ano foi constatado que os itens mais consumidos pelo corço na Serra da Lousã foram: folhas jovens e rebentos das dicotiledóneas arbustivas do género Rubus (silvas) (36,7%), dicotiledóneas arbóreas, como o castanheiro (Castanea sativa)(15,3%) e carvalhos (Quercus spp.) (13%). A carqueja (Pterospartum tridentatum) é também consumida (9%). Fazendo igualmente parte da dieta do corço na Serra da Lousã, embora de uma forma residual estão as seguintes espécies: Hedera sp. (hera), Pinus spp. (pinheiros), Fraxinus angustifolia (freixo), Acacia melanoxylon (acácia), urzes como Calluna vulgaris, Erica australis, Erica arborea e Lonicera periclymenum (madressilva), que não atingem 5% da sua dieta.

Medidas de Conservação
A caça representa uma importante actividade humana, com consequências directas no curso evolutivo das espécies cinegéticas, e não pode por isso ser menosprezada. Contudo, desde que devidamente regrada e enquadrada em Planos Globais de Gestão, poderá contribuir para a gestão sustentada das populações de corço.

Curiosidades
Na Península Ibérica o corço passou por várias etapas de ocupação, desde uma presença marginal em muitas zonas até ao recente crescimento quase explosivo. Em Espanha distribui-se de forma homogénea pelos Pirenéus, País Basco e Cordilheira Cantábrica até à Serra de Los Ancares, em Lugo, e os Montes de León, a partir dos quais terá colonizado grande parte da Galiza. Ao contrário do que acontece no resto da Europa, em Portugal, a expansão desta espécie é bastante limitada devido sobretudo à incorrecta gestão das suas populações e à fragmentação dos habitats. Existem dois grandes núcleos de distribuição geográfica nacional do corço, localizados a norte e a sul do rio Douro. As populações naturais desta espécie estão confinadas ao norte deste rio, mais concretamente nas Serras da Peneda-Gerês, Amarela, da Cabreira, do Marão, do Alvão, de Montesinho, da Coroa e da Nogueira. Estas populações são provenientes de outras do noroeste de Espanha que, por processos naturais de dispersão, colonizaram o norte de Portugal. Por outro lado, as populações de corço a sul do rio Douro, resultam de processos de reintrodução, iniciados há cerca de 15 anos, com objectivos conservacionistas e/ou cinegéticos. Contudo, nos últimos anos, o abandono generalizado das terras aráveis, o êxodo das populações rurais para as grandes cidades litorais e o consequente abandono de algumas actividades tradicionais, como a agricultura, têm contribuído para uma melhoria gradual das condições necessárias à rápida fixação e expansão das populações desta espécie, nomeadamente em algumas zonas de montanha com baixa perturbação e elevada percentagem de coberto florestal.

Distribuição de Capreolus capreolus em Portugal